No Contra-Ataque desta semana, o Ricardo Brito Reis faz uma extensa e excelente análise dos primeiros classificados do Este, os surpreendentes Atlanta Hawks:
Spurs - versão 2.0
por Ricardo Brito Reis
Com a vitória desta noite
frente aos Memphis Grizzlies, os Atlanta Hawks somam 27 triunfos e 8 derrotas,
lideram a classificação da respectiva conferência e, pelo meio, ganharam a
alcunha de «Spurs do Este». O seu estilo de jogo baseado na movimentação
constante dos jogadores sem bola e consequente boa selecção de lançamentos,
para além do desempenho defensivo assinalável, justificam essa comparação, mas
reduzir o sucesso dos Hawks ao sistema é injusto. Vamos, por isso, dissecar a
formação da Georgia, tentar perceber quais são os ingredientes desta receita
vencedora e se, de facto, são um conjunto tirado a papel químico dos San
Antonio Spurs.
O treinador
Neste ponto, a comparação
com os actuais campeões é inevitável. Mike
Budenholzer trabalhou 19 anos nos Spurs, antes de pegar na equipa dos
Hawks. Começou como coordenador de vídeo e, dois anos mais tarde, passou a
sentar-se ao lado de Gregg Popovich e tornou-se seu discípulo. Aí ficou 17 temporadas
e, da famosa árvore de Coach Pop, Budenholzer era o ramo mais desejado pelas
equipas que, por esta ou aquela razão, ficavam sem treinador. A sorte saiu aos
Hawks.
Desde que chegou a
Atlanta, o técnico nunca escondeu que ia implementar muito do que aprendeu em
quase duas décadas no Texas e disse, em jeito de brincadeira, que, se as coisas
corressem bem, estaria disposto a enviar 90% do seu ordenado a Popovich. Parece
que está na hora de pagar.
Os jogadores
As comparações entre
Hawks e Spurs são feitas inúmeras vezes, pelos principais analistas
norte-americanos. E os atletas não fogem à regra. Se olharmos com atenção, há
vários pontos em comum entre alguns deles.
Jeff
Teague é um penetrador
agressivo e assertivo e, à semelhança de um Tony Parker mais novo, acaba
invariavelmente por lançar bem dentro da área restrictiva da equipa contrária.
O base dos Hawks ainda não é uma ameaça tão mortífera quanto Parker no pick&roll, mas Mike Budenholzer quer
que Teague aprenda a dominar as leituras do bloqueio directo tão bem como o
francês. Kyle Korver é dos poucos
jogadores da NBA que lança melhor da linha dos 3 pontos (51.3%) do que Danny
Green (40,0%), embora seja pior no meio-campo defensivo. DeMarre Carroll faz lembrar Kawhi Leonard, ou seja, um atleta de
dimensão marcadamente defensiva, mas que tem desenvolvido o seu jogo ofensivo
nos últimos dois anos. E, com as devidas distâncias, Al Horford é uma espécie de Tim Duncan, na medida em que é uma
força interior nos dois lados do campo. Ambos power forwards que aparecem muitas vezes na posição de poste, com
capacidade para jogar de costas para o cesto, mas também de lançar de
meia-distância. Ambos líderes dos respectivos conjuntos, nada egoístas,
trabalhadores e disponíveis para sacrificar números individuais em prol da
equipa. Sobra Paul Millsap, que pode
ser comparado a Boris Diaw, pelo menos no que diz respeito à sua capacidade de
passe, pese embora seja muito mais efectivo ofensivamente do que o francês. OK,
esta última é a comparação mais forçada, mas não queria deixar o Millsap de
fora.
Há, no entanto,
diferenças evidentes entre os dois conjuntos. A maior é a ausência de um
verdadeiro big no plantel dos Hawks,
como Tiago Splitter ou Aron Baynes, dos Spurs. Por algum motivo são a 4ª pior
equipa da NBA em matéria de ressaltos, com uma média de 41.0 por jogo (2ª pior
em ressaltos ofensivos, com média de 8.5 por jogo) e a 8ª pior formação da liga
em pontos marcados na área restrictiva, com uma média de 41.0 por jogo. Este
factor pode vir a tornar-se decisivo, sobretudo nos playoffs, se tiverem que
enfrentar os Chicago Bulls (Noah, Gasol, Gibson) ou os Washington Wizards
(Gortat, Nené, Humphries). Para além desta lacuna, têm um banco com pouca
profundidade, onde não há nenhum Manu Ginobili e apenas Dennis Schroder e Mike Scott
contribuem com números significativos.
O sistema
A prioridade da equipa
técnica liderada por Budenholzer era melhorar a circulação da bola, depois de
vários anos com sistemas que viviam com base em isolamentos (quer para Joe
Johnson, quer para Josh Smith). E, assim, Bud implementou um ataque por
conceitos em tudo idêntico ao dos Spurs, com vários cortes e bloqueios,
sobretudo do lado fraco, mas com uma premissa sempre presente: todos os cinco
atletas em constante movimento e, pelo menos, uma mudança do lado da bola em
cada ataque. A imprevisibilidade tornou-se imagem de marca do ataque dos Hawks,
uma vez que cada atleta é uma ameaça ofensiva, até porque, à excepção de Elton
Brand, todos os elementos que compõem o plantel são capazes de lançar do
perímetro. Outra das regras de ouro do ataque dos Hawks é abdicar de um bom
lançamento para privilegiar um excelente lançamento (‘good to great’) e, por isso, a qualidade de passe e a tomada de
boas decisões são, também, referências para esta formação.
Defensivamente, os Hawks
gostam de assumir as responsabilidades individuais e as ajudas são, mesmo, o
último recurso. E é comum usarem como estratégia a variação dos match ups defensivos várias vezes no
mesmo jogo, obrigando os adversários a terem que ajustar consoante o defensor
que têm à frente.
É um sistema que depende
do Q.I. basquetebolístico dos atletas e, nesse capítulo, os Atlanta Hawks estão
muito bem servidos. E, como diz Popovich, não têm todo o talento do mundo, mas
têm as peças certas que se complementam na perfeição.
Os números
Toda a gente fala da
qualidade de passe, mas, apesar de liderarem o ranking da assist % (percentagem de lançamentos concretizados após assistência
de um colega) entre todas as equipas da NBA, com 67.0%, os Hawks estiveram no
top-10 deste ranking nas últimas cinco temporadas. A diferença é que todos
contribuem no ataque e isso vem do trabalho de desenvolvimento individual
promovido por Mike Budenholzer. Basta ver, por exemplo, que Paul Millsap marcou
mais triplos na época passada do que em sete temporadas nos Utah Jazz. E, tal
como Millsap, outros têm evoluído muito desde a chegada de Bud.
Defensivamente, estão
melhores a cada novo ano. Esta época, são 5º no rating defensivo (pontos sofridos por cada 100 posses de bola do
adversário) e estão no top-10 de outros rankings defensivos, como os roubos de
bola, os pontos sofridos em contra-ataque e pontos sofridos na área restrictiva.
A química
DeMarre Carroll não tem
dúvidas quanto à explicação do sucesso dos Hawks. O extremo diz que todos os
jogadores confiam uns nos outros, o que não acontecia no passado recente. Elton
Brand acrescenta que, das equipas por onde passou, esta é aquela em que os
jogadores mais querem trabalhar e sublinha que são os que jogam menos ou os que
têm contratos garantidos por mais de um ano que dão o exemplo, treinando no
limite, porque querem melhorar e contribuir.
A este mindset dos atletas não será alheio o
papel do treinador. Após cada jogo, seja vitória ou derrota, Mike Budenholzer
promove um jantar na cidade em que se encontra a equipa. A presença no jantar
não é obrigatória, mas ninguém falta. Em vez de apanharem um charter de
regresso a Atlanta, os jogadores e técnicos dos Hawks jantam juntos, num ritual
que o treinador chama de «breaking bread», e esses jantares têm aproximado os
jogadores entre si e os atletas com os técnicos. Os laços entre todos saem
reforçados e isso reflecte-se, depois, dentro das quatro linhas.
O futuro
É a primeira vez em 17
anos que os Hawks lideram isolados a Conferência Este. Nos anos mais recentes,
a equipa não tem sido má, mas também não tem sido boa. E isso reflecte-se nas
bancadas. Registam a 9ª pior média de assistência da NBA, mas, com este sucesso
deste ano, essa média subiu em 2200 pessoas, o que é o maior aumento da liga
norte-americana. O futuro passa por aqui. Tornar a equipa suficientemente
excitante, para ter cada vez mais gente a assistir aos jogos. Essa envolvência
com as pessoas de Atlanta vai ajudar a tornar a formação mais apelativa para
outros jogadores, free agents ou não.
A cidade já é atractiva para muitos jogadores de outras equipas, e alguns deles
têm casa em Atlanta, mas faltava qualquer coisa para atrair as superestrelas.
Esse “qualquer coisa” começa a aparecer. Uma boa equipa e uma cultura de
vitória.